"A coerção não
somente gerará e sustentará diferentes tipos de fuga, mas também fará com que
nos esquivemos"
- Murray Sidman, no livro
Coerção e Suas implicações, pg. 136
As constantes problemáticas
enfrentadas no nosso País, me fazem refletir um pouco a respeito de como nosso
governo se utiliza excessivamente da coerção para conseguir suas metas. Não é
de hoje que as polêmicas envolvendo questões de aposentadoria e direitos
trabalhistas estão em pauta, menos ainda os desvios de bilhões de reais por
parte dos que deveriam proteger e que foram eleitos para construir normas e
leis que pudessem melhorar a qualidade de vida da população.
Sim, nosso governo é
caótico. Não há uma adequada administração, não há aplicação real em educação e
lazer, não há. Esse texto objetiva ir um pouco além das picuinhas entre direita
e esquerda. Já dizia o músico Tom Zé, "meu coração fundamentalista,
pede socorro aos intelectuais, pois a diferença entre esquerda e direita, já
foi muito claro, hoje não é mais". Quem se limita a questionar
partidos, definir lados, e xingar o voto alheio, não entendeu, definitivamente,
o mínimo dos problemas que o país tem enfrentado. O problema não é uma única
pessoa, algo que tem sido constante nos termos midiáticos. A questão não é
Dilma, Lula, Temer. Esses são apenas marionetes de um jogo político e
econômico, onde os interesses dos Bancos e Empresas estão muito acima de
qualquer outro. Todo deputado, todo senador, e não vejo porque abrir exceções,
representa, no seu discurso, o investimento de determinada empresa que comprou
seu cargo. O que quero dizer com isso? Que as empresas investem nos políticos,
para que o marketing desses seja bem-sucedido, e nós, peças de um jogo de xadrez,
vamos lá, votamos, e voltamos para nossas casas, acompanhamos a apuração de
votos de eleições já definidas. Aí então, quando surgem projetos de leis, os
políticos votam, mas de certa forma, quem vota é a empresa, os bancos, os donos
do capital. Mas isso não é novidade, aliás, é amplamente previsível, conforme
apurado pelo jornal Estadão, em 2014, o gasto com campanhas políticas bateram
recorde na história brasileira, chegando a 5 bilhões. A revista Congresso em
Foco, aponta um levantamento sobre aposentadoria parlamentar, o Instituto de
Previdência dos Congressistas, uma espécie de organização que paga
aposentadoria para políticos que trabalharam mais de oito anos no cargo, já
chegou ao valor gasto de 2 bilhões, nesse século.
Quanto a modificações na constituição
e outras medidas, não vemos problema nisso, desde que não nos afete. E tendo em
vista que a maioria dos projetos e acordos afetam grupos minoritários ou já
desfavorecidos, achamos que tudo está "muito bem, obrigado", e é até
compreensível. Afinal, para que a população exerça o contracontrole, ou seja,
para que vá contra os comportamentos dos governantes, é necessário algo muito
problemático, algo que fira não só um pequeno contingente de pessoas, mas toda
uma classe. Além de conhecimento dos próprios direitos. Tendo em vista o baixo
repertório adquirido nas escolas, e em outros núcleos de aprendizagem, é
característico que a população não adote uma postura de questionamento com
mudanças significativas.
Estando a reforma
trabalhista em pauta, as coisas começam a mudar um pouco, o interesse pelo tema
é de grande maioria, pois nos afeta, imensamente. Principalmente o grande
contingente populacional brasileiro, a classe média.
E o que a Análise do
Comportamento tem com isso? Bem, se mais pessoas tivessem acesso e fossem
reforçadas pelo conhecimento, pelo estudo, e abandonassem o papinho de
liberdade, "de agir por querer", talvez algo estivesse um pouco
diferente. Não que a Análise do Comportamento ofereça todas as respostas. Mas o
Behaviorismo, enquanto filosofia baseada na postura Determinista, não será
usado para colocar culpa em alguém ou acusar quem está certo ou errado, se uma
medida é boa ou não.
O importante é conhecer as
variáveis, saber manipulá-las, prever comportamentos, e controlá-los. No caso
da população frente as medidas governamentais, quando prejudiciais, exercer o
contracontrole, tendo autoconhecimento e conhecimento do que está em pauta.
Um povo que conhece seus
direitos e deveres, nada mais é do que um povo que sabe discriminar variáveis, pode
argumentar e lutar pelo bem comum, e que não se limita a desprezar projetos de
leis com base somente no que afetará uma ou outra pessoa.
Diversos questionamentos
podem e devem ser feitos as medidas adotadas pelo governo em questão. A
primeira delas é a de que todas as medidas importantes, que alteram
drasticamente as leis em rigor, foram votadas como medidas provisórias ou como
lei em regime de urgência, o que impede que a população possa ter acesso ao que
está sendo modificado, e por consequência, impede movimentos contra essas
mudanças. Para não deixar em branco, alguns projetos que foram votados
rapidamente, no escuro: Emenda Constitucional n° 95, que congela por vinte anos
os gastos públicos, incluindo recursos para a educação e saúde, o corte de
repasse para a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), a extinção do ministério do
Desenvolvimento Agrário, além da própria reforma trabalhista, indo de acordo ao
que foi lido na matéria “A
desconstituição ética, moral, cultural e institucional do Estado”, no Le
Monde Diplomatique.
Os líderes e demais membros
dos governos brasileiros, ao menos das duas últimas décadas, não sabem agir de
forma ponderada. Vale citar um trecho do livro O Príncipe, de Maquiavel,
dizendo que se “deve estimular seus
cidadãos para que estes possam tranquilamente exercer suas atividades, tanto no
comércio quanto na agricultura, de sorte que o lavrador embeleça a sua
propriedade sem o temor de vê-la ser-lhe confiscada, e que o negociante
instaure seu comércio sem sentir-se ameaçado pelos impostos” (p. 130-131).
Quando leis são usadas para
o benefício de poucos em detrimento dos esforços da maioria, e ainda mais
quando se retira direitos já conquistados, o governo não pode esperar algo além
do contracontrole. Ainda usando do livro de Maquiavel, podemos citar a relação
de uso da força, “devemos saber que
existem dois modos de combater: um, com as leis; o outro, com a força. Porém,
como o primeiro, muitas vezes, se mostra insuficiente, impõe-se um recurso ao
segundo” (pg. 99). É nítido o uso da força pelo Governo. Nas diversas
manifestações que ocorreram nos últimos dois anos, o uso de poder militar
contra manifestantes, e o apelo ao discurso da intolerância, foi a prática
comportamental sustentada pelos líderes. É óbvio que isso, a longo prazo, é um
tiro no próprio pé. Conforme Murray Sidman, no livro Coerção e suas implicações, “dentro
de uma comunidade, fortalecer a força policial apenas intensifica o conflito”
(pg. 236), gerando maior desconfiança dos eleitores, indivíduos de direitos,
perante sua própria instituição administradora.
É de praxe o conhecimento de
que, na maioria dos governos dos países que compõem a América do Sul, a prática
governamental é de caráter punitivo. Ou seja, não se dispõe contingências
reforçadoras para os indivíduos que agem dentro da lei, que auxiliam no
desenvolvimento da nação, apenas se pune o comportamento do transgressor, com
privação de liberdade ou com estimulações aversivas, como multas, penas
alternativas, etc.
Não é que se dispõe de
poucos recursos para prever os comportamentos de infração, mas que não se faz
nada a respeito de possibilitar que essas pessoas/grupos possam desenvolver
outros repertórios comportamentais, algo que reforçadores educacionais e
práticas esportivas poderiam beneficiar. A prevenção só é possível com a
previsão das variáveis que levam os cidadãos a agirem contra a lei, e o
controle de medidas alternativas a própria punição. Mas, como não é o caso do
Brasil, as coisas por aqui funcionam na base da coerção. Se pune o indivíduo, e
o julgamento crítico da sociedade quanto ao conceito de justiça se baseia no
“agiu porque quis”. Conforme matéria da revista Carta Capital, “o País é o segundo que mais prendeu em 15
anos, mas continua sendo recordista de homicídios”, o que destaca a
ineficácia de medidas punitivas.
Skinner, no livro Ciência e Comportamento Humano destaca
que “um código (lei) sustenta o comportamento verbal que preenche
as lacunas entre aspectos de punição e o comportamento de outros” (pg. 192).
Tendo em vista a argumentação, a lei só seria eficaz se outras medidas fossem
programadas, como educação de qualidade, áreas de lazer e tempo para lazer,
hospitais e medidas em saúde, projetos culturais, etc. Como se sabe que pouco
desses fatores são dispostos no ambiente social, e quando são, segregam a
população detentora de bens da que pouco possui, não é de se esperar outra
coisa que não a ineficiência das leis, do abuso de autoridade, e do
desconhecimento e implicações ruins de medidas tomadas sem consulta à
população, como é o caso da Reforma Trabalhista.
Conforme Sidman, ainda no
livro já citado, “somente alterando as
contingências, as interações entre conduta e ambiente por meio das quais as
leis comportamentais operam, começaremos a ver a cooperação substituir o
contracontrole” (p. 237).
O trabalhador possui
recursos para ir contra a reforma trabalhista, seja através da greve, da luta
sindical, das mobilizações, seja por meio do diálogo e dos debates sobre esses
assuntos. Algumas das partes mais absurdas a que pude ler na proposta de
reforma trabalhista (o link da proposta na íntegra está nas referências) estão
inclusas as modificações do tempo de trabalho para aposentadoria, os benefícios
que não serão retirados da classe política, as questões de teletrabalho, o
aumento da carga máxima de serviço diário, e o principal, que considero, a
questão de as “normas” das empresas estarem acima da própria constituição, ou
seja, a reforma trabalhista acaba sendo um aniquilamento de boa parte dos
direitos já estabelecidos, além de que, provavelmente, gerarão danos na
sociedade.
Levando em conta que nada
até o presente momento foi feito em prol da sociedade, como um todo, nada me
faz pensar que o dinheiro economizado com a aposentadoria dos brasileiros seja
usado para aplicação em áreas fundamentais, como saúde, educação, lazer e
redução de taxas de juros.
Outra observação, é que
qualquer cidadão semiletrado consegue entender que a expectativa média de vida
do homem brasileiro, estando em 71,9 anos, e a aposentadoria integral sendo
possível apenas para aqueles que terão 70 anos, é nítido que os que dispõem de
menores benefícios de saúde e lazer, não atingirão a aposentadoria e,
trabalharão a vida inteira pagando para o governo algo que não terá retorno. Sendo
por demais otimista, podemos prever que 50% da população brasileira viverá para
receber a digna aposentadoria. Ou seja, sobrará verba no caixa governamental em
relação a esse quesito. O que será feito com a verba? Será utilizada para
cobrir os desvios de caixa, tão recorrentes, além de pagar juros da dívida
pública, que só aumentam por péssima administração dos recursos.
Para fechar, vale citar um
trecho do poema Verão, de Ferreira Gullar, “e
a luta de resistência se trava em todo lugar: por cima dos edifícios, por sobre
as águas do mar”, e complementar com a afirmativa de Leandro Konder, no
livro Marxismo e Alienação, “a totalidade da economia capitalista se
torna ininteligível até para os seus beneficiários” (p. 137).
(Texto escrito e publicado por Gianndre Roberto, graduando em Psicologia pela UNAERP)
Referências
utilizadas:
CAMARA DOS DEPUTADOS. Reforma Trabalhista.
Disponível em:
<www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122076
(lei de reforma trabalhista) >. Acesso em: 29 abr. 2017;
CARTA CAPITAL. Se cadeia resolvesse.
Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/revista/838/se-cadeia-resolvesse-4312.html>.
Acesso em: 29 abr. 2017;
CONGRESSO EM FOCO. Caixa preta da aposentadoria
política. Disponível em:
<http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/abrimos-a-caixa-preta-da-aposentadoria-dos-politicos/>.
Acesso em: 30 abr. 2017;
DIPLOMATIQUE. Desconstituição do estado.
Disponível em:
<http://diplomatique.org.br/a-desconstituicao-etica-moral-cultural-e-institucional-do-estado/>.
Acesso em: 30 abr. 2017;
ESTADAO. Campanhas políticas gastaram 5 bilhões
em 2014. Disponível em:
<http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,campanhas-gastaram-r-5-bilhoes-em-2014-imp-,1600362>.
Acesso em: 30 abr. 2017;
IBGE. Tábua completa de mortalidade para o
Brasil – 201 5. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Tabuas_Completas_de_Mortalidade/Tabuas_Completas_de_Mortalidade_2015/tabua_de_mortalidade_analise.pdf>.
Acesso em: 30 abr. 2017;
KONDER, Leandro. Marxismo e Ideologia:
Contribuição para um estudo do conceito marxista de alienação. 2 ed. SP:
Editora expressão popular, 2009. 131 p.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 1 ed. Porto
Alegre: L&PM Pocket, 2002. 99-130-131 p.;
SIDMAN, Murray. Coerção e suas Implicações.
São Paulo: Editora Livro Pleno, 2009. p. 236-237;
SKINNER, Frederic Burrhus. Ciência e comportamento
humano: Science and human behavior. 2 ed. SP: Edart São Paulo, 1971. p.
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